quarta-feira, 19 de setembro de 2012



Ao som de Syd Barrett, deito na cama após o almoço, acendo um cigarro e abro a janela do quarto. Fecho a porta do quarto e deito. Trago vagarosamente ao som de Feel. Vejo a fumaça do cigarro esvair-se conforme sopro ofegante. Meus lábios salgados e meus dedos limpos.

Tenho meia hora para descansar antes de voltar ao trabalho. Procuro relaxar, fecho os olhos e em uma introspecção vou de encontro a lembranças e devaneios obscuros de minha mente.

O sol chega até a janela do quarto, penetra por entre ela até minha cama, na parte esquerda onde minha cabeça está localizada. Minha guitarra está largada no chão, a caixa amplificada continua ligada e os pedais de efeito desligados.

Logo, movo minha cabeça para perto da parede fria, a encosto lá.

Sinto o frio na parte lateral do meu cérebro, anestesiando-me. O cigarro está pela metade, um velho Lucky Strike vermelho, mas sinto falta do Camel. O tempo está passando e eu continuo deitado ao som do gênio psicodélico.

Levanto-me, olho para o espelho ao lado da cama. Fico lá, inerte, observando-me. Olhos, boca, cabelos, dentes, língua. Meu corpo nu e obsceno. Estico minha língua para fora, puxo meus cabelos, embaraço-os, aproximo-me do espelho e fito meu próprio olhar. Na íris castanha, diluindo-se com a coloração da fumaça, e o fim do cigarro em minhas mãos. Vejo uma partícula comum a todos, um pedaço de carne e um universo infinito. Uma diversidade de cores e sentidos múltiplos, na pluralidade do que consigo interpretar.

De repente, meu cigarro acaba. As cinzas são sopradas pelo vento da tarde. A inércia não me deixa sair. Não me deixa seguir em frente. Eu procuro vestir-me, e vou até a cozinha tomar água. O álbum acaba de tocar. O silêncio reina na casa vazia e solitária. Um aglomerado de objetos inanimados, ocupando espaço, pesos-mortos na sala. O corredor está limpo, o chão e as paredes parecem novos. Não há nada de relevante, e nenhuma beleza em tudo que está limpo, tudo tão limpo e novo, como se isso fosse à única coisa que importasse.

O que realmente faz sentido é que estou aqui, perambulando pela casa, atrasado para chegar ao meu emprego. Preso a mim mesmo. Olho para o relógio, e vejo que já se passaram vinte minutos. Sento, pego a escova de dente, passo creme dental, escovo os dentes; primeiro a parte superior, faço movimento rápido e diagonal, depois a parte inferior interna, cuspo, lavo minha boca com a água que peguei no filtro que está ao lado da mesa.

“Droga.”

Sinto certa repulsa de minhas obrigações, na verdade eu odeio ter que fazer isso: trabalhar, universidade, jogar o lixo para fora de casa, etc. Tudo isso me enjoa. Me consome, faz de mim um escravo infértil.

Penso que essa inércia é resultado da falta de novidade externa, da falta de limpeza externa, assim como o corredor e as paredes da casa estão limpas, grande parte de minha vida cotidiana poderia parecer limpa e renovada. Mas isso não passa de uma mera comparação que provavelmente irei rejeitar mais na frente apenas por hábito. O mau hábito de pensar sempre o contrário de tudo. O mau hábito de esvaziar tudo aquilo que me é apresentado, de encontrar a falta de sentido nas coisas.

A ideia é sempre a mesma, divagar sobre algo enquanto não se é completamente consumido pelo tédio. Enquanto não se está totalmente aborrecido e descompromissado. Puto da vida em outras palavras. Perturbado mentalmente. E quando essa hora chegar, o álcool e cigarros resolvem o problema. O remédio destruidor, a destruição para a cura. Bastante peculiar.

Depois, volta-se ao ciclo.  A repetição diária de tudo. As faces, as vozes, as cores, os objetos, as relações, etc. Esse aglomerado de efemeridades, compondo sua existência sem uma razão de ser. Sem um propósito fixo. Tudo muito volátil e imprevisível, em outras palavras: contingência.

E eis que belo presente a eventualidade me traz, recebo uma mensagem no celular, escuto o barulho do aparelho vibrando em cima do centro de vidro.

"Demitido."

                                                                                                                                 John Wayne.

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